sábado, 21 de agosto de 2021

Conto - Águas Profundas, por Lucas da Costa

   




 ÁGUAS PROFUNDAS

Lucas da Costa


Em uma manhã, quando certa moradora dirigiu-se à barragem do estreito, para banhar-se, pôde perceber as águas com a coloração azulada, mas achou que fosse apenas o esgoto da usina próxima, porém, os dias passaram e com eles vieram os sintomas de infecção: febre alta, fezes com sangue e muita dor de cabeça, daí em diante não demorou, para ocorrer a primeira morte da cidade.

Diante da situação, o Governador do estado, lançou um programa de emergência, que consistia na construção de moradias afastadas das cidades, para que as pessoas que estivessem infectadas fossem remanejadas, considerando a falta de tratamento e o caos na saúde pública. Acontece que essas casas, jamais chegaram a ser terminadas, e as famílias com medo da ameaça biológica, invadiram essas instalações inacabadas, e o Estado abandonou-as a própria sorte. 

Após algum tempo, constatou-se que aproximadamente 5% das crianças nascidas depois da primeira infecção desenvolveram anticorpos que as deixaram imune ao recém-descoberto XTG-33, em contrapartida, os idosos não resistiram à doença. Alterando assim, a expectativa de vida da população para quarenta e cinco anos.

Frente a calamidade, a população começou a se organizar, criaram as C. S. (Colônias Subterrâneas), já que há seis meses, uma chuva ácida assola quinzenalmente a região. Em decorrência da mudança climática os animais morreram e a comida ficou escassa, nossa única solução foi encontrar água no subsolo das cavernas. Passamos cultivar em estufa artesanal todo tipo de vegetais que conseguimos, mas com essa saída vieram a insegurança e a desconfiança, afinal, muitas colônias que não conseguiram se organizar começaram a atacar suas vizinhas.

Para amenizar as baixas, nossa Líder Mina Shimizu decidiu montar uma força militar, com o objetivo de defender nosso novo lar, e aqui estou em minha formatura. 

– Fernanda Campina! Um passo a frente, e faça o juramento.

– Em nome da Colônia, juro defender as vidas de meus companheiros, sobreviver!

– Este é seu arco, sua adaga. 

– Colônia Alfa!  Em coro todos juntos dizem.

– Não esqueçam que amanhã haverá uma reunião ao pôr do sol. 

Contudo, antes que pudéssemos festejar, uma fumaça irrompeu a colônia, reduzindo a pouca visibilidade a zero, de repente ouvimos gritos desesperados de crianças afastando-se rapidamente, considerando a situação todos os recém-formados na academia, receberam a sua primeira missão ali mesmo. Resgatar os pequenos levados.

A lua estreita ainda não pintara o céu, mas já estávamos correndo em busca do rastro dos inimigos, meu peito batia com força, a adrenalina eletrizava minha pele, normalmente, trabalhamos em trios e um era escolhido para ser o líder; enquanto corríamos, lembrei-me de algo que ouvi semanas atrás.

– Correm boatos nas colônias da aliança, que há um grupo de mercenários sequestrando as crianças que se tornam imunes.

 – Precisamos de informações detalhadas sobre esse grupo, podemos estar correndo perigo.

No momento, em que percorremos cerca de quatro quilômetros, chegamos a estrada estadual, pudemos avistar sete homens entrando na carroceria de um caminhão antigo, e sumiram no horizonte, eles vestiam roupas pretas e portavam bestas e bombas caseiras e armas brancas. 

Esperamos até que Mina nos alcançasse, e assim reformulássemos a estratégia, afinal aquela estrada levaria até Teresina e se completassem esse percurso, perderíamos todas as hipóteses de recuperarmos as crianças.

– Temos boas notícias equipes, disse Mina sorrindo, a colônia Sigma nos enviou a localização para onde os mercenários estão se dirigindo.

– Conseguimos um avião antigo sem combustível, mas já estamos providenciando e ele está a caminho, chegaremos a Teresina em noventa minutos.

– Certo! Qual é o plano? Perguntei com certa urgência.

– Invadir a base de pesquisa do XTG – 33.

– Vou mandar Luana como responsável pela missão. 

As coordenadas apontavam para o maior hospital do Estado o “Getúlio Vargas”, este é referência no tratamento e pesquisa de doenças virais no Brasil, é o lugar ideal para a realização dos testes nas crianças imunes. Segundo as plantas do prédio, são quinze andares. Mas como se pode imaginar, esse, tipo de experiência, normalmente, é realizado no subsolo, precisamos descobrir uma forma de descer até o laboratório onde estarão as crianças.

Enquanto sobrevoávamos parte do estado, fomos reagrupados em equipes de quatro soldados, para buscarmos entradas alternativas no sistema de esgoto da capital, para isso reunimos alguns explosivos para facilitar nossa entrada, contudo, não se sabe quais obstáculos teremos no caminho, afinal essas instalações evoluíram com a tecnologia dos últimos treze anos. Recebemos ainda suprimentos militares: bestas e bombas de coquetel “Molotov”. No momento em que começamos a sobrevoar a cidade, equipamos os paraquedas e nos preparamos para saltar e iniciar a missão de verdade.

Na hora de saltar, o céu da metrópole tomava um tom acinzentado em decorrência dos anos de poluição e das grandes fábricas que funcionam ali, note que em Teresina o vírus ainda não atacou, todavia, os terremotos eram constantes. As pessoas não saiam mais com a mesma frequência de suas residências, as indústrias ganharam mais automações e houve muitas demissões em escala, instaurando assim, um caos na economia do município, é nesse contexto, que aterrissamos próximo ao destino. 

– Em suas posições! Estabeleçam o perímetro e adentrem os pontos de inserção. Disse Luana. 

Os esgotos fediam, as paredes exibiam longas rachaduras, demorou um para localizarmos as entradas, mas conseguimos, armamos as bombas e assim obtemos acesso ao subsolo do hospital, encontramos algumas grades e portas que violamos, o interior parecia mais uma prisão, com o corredor extenso e várias portas.

De repente um de meus parceiros recebeu uma flecha no peito, das que são usadas em bestas,  nesse momento ficamos em posição de ataque, usamos uns móveis que decoravam o lugar como escudo e iniciamos o contra-ataque, enquanto metade da equipe defendia-se a outra vai em busca de abrigo nas salas, muitas delas estavam fechadas, até que uma que forcei abriu. Esta sala era um misto de documentos e tubos de ensaio, entretanto, vi umas das crianças raptadas da Colônia Alfa encontrava-se  entubada pude ver algumas marcas de luta corporal, e logo em seguida ele apareceu com uma seringa na mão:

– Bravo! Você encontrou o que procurava?

– Jacó... O que faz aqui? Pensei que estivesse na Europa...

– Eu estava sim, mas voltei para revolucionar o Brasil, começando pelo Piauí! Abaixe sua arma.

– Sua mãe aprova isso? Ela é a líder da Aliança! Estas por trás desse plano?

– Sim! Eu sou o arquiteto de todo esse projeto.

– À preço de quê? Das vidas inocentes? Você só conseguiu matança em massa.

– Calma querida, desenvolvi o vírus e a cura, tenho tudo sob controle, agora serei chamado de o Salvador. Observe que em minhas mãos está o controle. Farei o vírus espalhar-se por todo estado e em seguida chegarei com a vacina, e o medicamento. Serei o homem mais rico do Brasil. Olhe como injeto a cura nessa cobaia.

Nesse momento a pobre alma, começa a entrar em estado de choque, o coração perde a pulsação e o corpo daquela pessoa fica imóvel, eu começo a ficar nervosa. Neste instante o jovem levanta e as amarras se rompem e ataca Jacó matando-o como uma fera. Eu pego as armas do chão e atiro com a besta, contudo, as pontas quebram-se com facilidade, decido que vou recuar e reportar-me a nossa supervisora. Rendemos e levamos como reféns mais dois seguranças, finalmente, chegamos ao ponto de encontro, expliquei tudo a Luana que me ouviu e decidiu que denunciaríamos a situação às autoridades competentes, apresentado as provas, e os depoimentos daquilo que descobrimos.

Apesar de toda situação e descaso até então, eles fizeram buscas em todo hospital, encontrando as evidências do plano, infelizmente, não localizaram o corpo de Anderson, tampouco, a cobaia que sofreu aquela terrível mutação. Como recompensa pelo empenho, nosso grupo paramilitar recebeu treinamento especializado da secretaria de segurança do estado, e nos especializamos em ajudar os sobreviventes e na repressão de qualquer ataque de mutações que se tornaram comuns após alguns meses da invasão da base de pesquisa, as colônias modernizaram-se, porém, seguimos morando no subsolo, em busca de nos adaptarmos as mudanças que o novo mundo trouxe.

  Na verdade, foi descoberto que a Líder da Aliança estava do lado da conspiração do vírus, passando informações os grandes executores dessas ações destrutivas. Nossa Líder Mina Shimizu foi votada com a substituta realizando inovações e elaborando leis de convivência para as colônias aliadas, conseguimos mais espécies de plantas comestíveis para aumentar nossa variedade na horta, eu fui condecorada pelos resultados da missão.

Um grupo de estudiosos foi designado para pesquisar uma forma de recuperarmos as águas da barragem do estreito, outra divisão criada nas colônias relaciona-se ao desenvolvimento de armas de combate, com o apoio do governo recebemos a autorização para o uso exclusivo de armamento bélico, as crianças voltaram a estudar após meses sem frequentar a sala de aula, a população sentia-se mais protegida, sua condição de vida melhorou.  Contudo, uma preocupação que não me abandonava era que essas mutações estão à solta pelo estado, causando sabe-se lá que tipos de atrocidades e consequências, mas decidir que iria me especializar no combate contra tais feras.


 FIM




Lucas Souza da Costa, nasceu na cidade de Abaetetuba - PA, formado em Lincenciatura plena em Letras com Habilitação em Língua Portuguesa pela Universidade do Estado do Pará.

 

Contatos do Autor

E-mail: lucasscosta19@gmail.com



quarta-feira, 18 de agosto de 2021

Os melhores projetos literários do Catarse (Agosto 2021)

 Continuando com nosso artigo mensal de divulgar os projetos literários mais promissores em financiamento no Catarse.


1 - Poderes das Trevas, de Bram Stoker


Já falamos sobre esse projeto aqui, mas sempre vale a pena lembrar.

Chamada aqui no Brasil de Poderes das Trevas, essa versão estendida do clássico de Bram Stoker, foi originalmente publicada como folhetim na Suécia em 1899. Esse resgate do romance é duas vezes mais longo que o romance publicado em 1897, mas também profundamente mais violento e erótico.

Você pode apoiar "Poderes das Trevas" através desse LINK.


2 - Longe do aqui e do agora, de Clare Winger Harris


Clare Winger Harris foi uma das primeiras escritoras de ficção científica cujos contos foram publicados durante a década de 1920. Ela é considerada a primeira mulher a publicar histórias com seu próprio nome em revistas de ficção científica. Suas histórias frequentemente lidavam com personagens nas "fronteiras da humanidade", como ciborgues.

Embora Harris tenha publicado apenas um punhado de histórias, quase todas foram reimpressas ao longo dos anos. Destes, "O Milagre da Lírio" foi o mais reimpresso e elogiado por muitos críticos, com Richard Lupoff dizendo que a história teria "ganho o Prêmio Hugo de melhor conto, se o prêmio existisse naquela época".

"Longe do aqui e do agora" reune um total de 11 contos inéditos em língua portuguesa. Esse é um projeto social. A tiragem excedente (ou seja, os livros que não forem entregues aos apoiadores dessa campanha) serão doados a bibliotecas do Pará, como por exemplo o espaço Gueto Hub. O livro físico não será comercializado em outro lugar, a não ser neste projeto.

Você pode apoiar "Longe do aqui e do agora" através desse LINK.


3 - O Novo Horror

Um projeto sensacional, organizada pelos escritores Daniel Gruber e Irka Barrios, reúne 18 contos de grandes autores e autoras de diversos lugares do país nesta bela edição da editora O Grifo.

Esa antologia pega carona na nova leva de filmes do cinema de horror, que vem tentando escapar da fórmula cheia de sangue e sustos gratuitos que dominam as produções mais comerciais do gênero, o famoso “pós-horror”.

Filmes como O Babadook (2014), A bruxa (2015), Corra! (2017), Midsommar (2019), Nós (2019) e Saint Maud (2020) apostaram muito mais no drama, na crítica social e na tensão atmosférica e psicológica para causar medo. Viraram cult, receberam inúmeras críticas, mas também atraíram uma série de admiradores de dentro e de fora do universo dos filmes aterrorizantes.

Você pode apoiar "O Novo Horror" através desse LINK.


4 - Contos da Criação, por Ivan Shiozawa



Esse aqui é um projeto que me cativou bastante, afinal, falar sobre a Criação é algo muito complexo, pois temos que considerar a perspectiva teológica e a científica. Porém, eu fiquei bastante aliviado em saber que o autor, apesar de ser cristão, deixou claro que o livro é uma ficção livremente baseada na criação segundo a Bíblia Sagrada, mais especificamente os dois primeiros capítulos do Gênesis. 

Será que podemos esperar ótimas histórias Sandalpunk vindo por aí? Você já se sentiu livre para imaginar como foram os dias no Jardim do Éden?

Você pode apoiar "Contos da Criação" através desse LINK.

5 - Carnacki - Detetive do Ocultode William H. Hodgson



Recentemente eu adquiri um exemplar de "A Terra da Noite" de William H. Hodgson, e foi um enorme deleite desfrutar dessa leitura. William H. Hodgson é um tem uma escrita soberba e tenho certeza que "Carnacki - Detetive do Oculto" será mais uma ótima aquisição.

Carnacki - Detetive do Oculto é uma coleção de contos que apresenta casos do protagonista homônimo Thomas Carnacki, um detetive do sobrenatural. Publicado originalmente entre 1910 e 1912 em revistas, Carnacki se tornou uma das grandes referências entre detetives da ficção, especialmente por protagonizar várias outras histórias escritas por diversos autores além de William Hope Hodgson.

Apesar de um ou dois contos já terem sido traduzidos e publicados no Brasil em coletâneas diversas, essa é a primeira edição que compila os 6 contos originais publicados por William Hope Hodgson.

Você pode apoiar "Carnacki - Detetive do Ocultoatravés desse LINK.

Conto - Resta um rosto, por Tchello d’Barros

  




  RESTA UM ROSTO

Tchello d’Barros


Acordou ainda com sono, levantou-se vagarosamente e, de olhos semicerrados foi lentamente até o banheiro. Passou uma dose generosa de creme dental na escovinha e como de costume, escovou os dentes caminhando pela casa. A luz suave da aurora entrava aos poucos pelas janelas. Seguiu até a varanda e durante a escovação, pensava no que fazer naquele dia, enquanto olhava distraidamente para a imagem do pequeno tubo de creme dental que segurava na outra mão. A imagem publicitária mostrava ao lado da logomarca, um rosto, de semblante sublime e olhar enigmático. 


O sol já espiava por trás da silhueta da cidade. Era dia de dar sua corrida de meia hora, exercício que lhe fazia sentir-se tão bem. Ao passar pelo tapume de uma obra, percebeu um grande cartaz colado, desses que anunciam shows. Na corrida, não prestou atenção no evento ali divulgado, mas notou a fotografia em destaque, parecida com a que havia visto minutos antes no tubo do creme dental. Seguiu em seu ritmo, recebendo na pele os primeiros raios solares do novo dia.


No desjejum, para acompanhar o café forte, que lhe fazia acordar de vez, preparou torradas com pão integral. Ao cobrir a torrada com geleia de mirtilo, notou que o rótulo no pote tinha também um rosto impresso, inclusive bem semelhante ao que havia visto rapidamente no cartaz durante a corrida. Diluiu essas coincidências na segunda xícara, bebida com alguma avidez, pois mais um dia estava para de fato começar.


Não demorou e já estava em frente ao computador para mais uma rotineira jornada de trabalho. No meio da manhã, uma breve pausa, que incluiu um suco de laranja. Aproveitou para uma rápida visita às redes sociais em seu celular. Possivelmente a internet estava com defeito naquele dia pois todas as carinhas das pessoas eram a mesma, estavam iguais, um mesmo rosto se repetia. Pensou que já havia visto aquele rosto antes. Lembrou da face presente no rótulo da geleia. Depois desse intrigante intervalo, limitou-se a retornar para suas atividades profissionais. 


Conforme fazia habitualmente, esperou a fome chegar para dirigir-se ao aconchegante restaurante da esquina. Almoçava tranquilamente e ouvia as notícias do dia, a partir de um televisor presente num canto do estabelecimento. Já no caixa, ao pagar a conta, antes de sair olhou de relance e pareceu que a pessoa que apresentava o telejornal era a mesma que havia visto nas carinhas repetidas nas redes sociais. Começou a preocupar-se. Seria um tipo estranho de déjà vu? Aquele suco conteria alguma substância alucinógena? Estaria confundindo a mera semelhança entre as pessoas? O mais provável era que se tratasse de alguma nova celebridade, agora muito famosa...


Saiu do restaurante com alguma perplexidade, pensando que o que precisava mesmo era se distrair um pouco... Não faria mal uma passada em sua livraria predileta para saber das novidades. Nas duas quadras que lhe separavam do shopping center, não pôde deixar de notar um out-door ao longe, em cujo anúncio se via o já conhecido rosto, que de longe, fitava-lhe, com seu semblante sublime. Apressou o passo e pouco antes de adentrar o mercado, viu passar um caminhão, em cuja lateral estava adesivada uma publicidade qualquer, mas com destaque para aquele mesmo rosto, que apresar da velocidade, lhe observava com seu olhar enigmático.


Um tanto ofegante, entrou no shopping e foi direto para a livraria. Antes de entrar, tomou um susto pois havia na vitrine um cartaz em destaque divulgando o best seller da semana e lá estava mais uma vez aquele rosto. A respiração acelerou, mas adentrou na loja mesmo assim. Sem cumprimentar os atendentes, pegou nervosamente dois livros quaisquer de uma estante de novidades e sentou-se numa poltrona. Fechou os olhos, respirou fundo, tentou acalmar-se. Aos poucos, começou a manusear o primeiro livro, um romance policial. Não conseguiu concentrar-se muito nas informações da capa, mas ao abrir a obra, constatou aquela mesma face, já tão familiar, na orelha do livro. Imediatamente pegou o outro volume, sobre história da filosofia e, na contracapa, identificou em tamanho grande o mesmo rosto de sempre, que mais uma vez, lhe encarava fixamente.


Levantou-se num sobressalto, enquanto os livros caíram no chão. Começou a tremer. Desconfiando de tudo, dirigiu-se à sua sessão preferida na livraria, onde já tinha uma certa relação com aquelas obras. Olhando de soslaio para os lados, retirou um exemplar e lá estava o rosto, desta vez na capa. Seu coração acelerou. Retirou um volume capa dura e ali estava também na capa o mesmo rosto. Sentiu uma certa moleza nas pernas. Pegou de uma vez três exemplares de uma série de livros de bolso, e ali estavam eles exibindo na capa essa misteriosa personagem que agora insistia em fazer parte de sua vida. Perdeu a cor do seu próprio rosto, sentiu uma forte tontura e a respiração ficou difícil...


Acordou no quarto de um pronto-socorro, na companhia de um médico e uma enfermeira. Estes lhe explicaram, enquanto retiravam a agulha do soro de seu braço, que havia sofrido um pequeno desmaio, mas que não precisava se preocupar, podia ser simplesmente stress ou falta de sono, mas que deveria repousar em casa. Nem tentou lhes contar a sequência de rostos que lhe perseguiam, mas após este surto, imaginou que agora tudo estaria bem, tudo voltara ao normal. Recebeu alta imediatamente. Ao sair, ainda no saguão, não pôde deixar de observar que na parede havia uma antiga fotografia do fundador daquele hospital. Estarreceu-se ao constatar que o rosto continuava a lhe perseguir.  


Talvez pelo efeito dos medicamentos, saiu dali caminhando a esmo, sem saber bem o que fazer. O sol se pondo e aquela estranha sensação, a insolente companhia involuntária de uma cara que aparecia em todos os lugares. A recomendação era que fosse para casa repousar, mas achou que era melhor estar perto das pessoas. Lembrou de um lugar onde relaxava de verdade. Tomou o primeiro táxi e dirigiu-se ao cinema mais próximo, sem deixar de notar que a desgastada fotografia 3 x 4 da carteirinha do taxista, disponibilizada no painel, exibia aquele retrato, com o qual já sentia alguma intimidade. 


Ao adentrar a bomboniére do cinema, prometeu não olhar os cartazes, com medo do de ver ali já se sabe quem... Não comprou pipocas nem nada, apenas entrou no meio da sessão e espalhou-se num assento do fundo. Limitou-se a chorar baixinho, as lágrimas lhe impediam de ver o filme. Esforçou-se para não soluçar. Permaneceu um tempo ali, sem compreender o que acontecia. Com o corpo um pouco mais relaxado, com as mãos enxugou os olhos e, sem condições de prestar atenção ao enredo do filme, apenas olhava absortamente para a tela. Qual não foi sua surpresa ao ver que todos os atores e atrizes tinham aquele mesmíssimo rosto... 


Conseguiu voltar para casa. Sentia um estranho cansaço. Evitou olhar para qualquer superfície, impresso ou tela que pudesse conter imagens. Questionava sobre o porquê de isto estar acontecendo. Começou a imaginar que poderia ser algum tipo de loucura mesmo. Imaginou um diagnóstico de demência, passando o resto da vida num hospício. Estranhou tudo isso, já que não usava drogas. Também não se tratava de algum problema de visão, já que não usava óculos e lia muito bem. Talvez estivesse apenas sonhando. Quem sabe, amanhã tudo voltasse ao normal. Mas também poderia ser que essa profusão de caras questionadoras lhe acompanhasse para sempre.


Sentindo uma certa exaustão, antes de dormir, foi novamente escovar os dentes. Aproveitou para lavar a cara, que ainda guardava um resto de lágrimas secas. Ao ver-se no espelho, lá estava um certo rosto, já muito familiar, fitando-lhe com seu semblante sublime e olhar enigmático. 


 FIM




Tchello d'Barros é escritor e roteirista. Publicou 7 livros e possui contos e poemas publicados em cerca de 100 coletâneas, antologias e didáticos. Ministra oficinas literárias e coordena a itinerância internacional de seu projeto multimídia de Poesia Visual “Convergências”. 

 

Contatos do Autor

E-mail: tchellodbarros@yahoo.com.br



quarta-feira, 11 de agosto de 2021

O Polêmico “The House of the Vampire” irá ganhar edição brasileira pela Cyberus

É difícil não ser atraído pela originalidade de "The House of the Vampire” de George Sylvester Viereck. Esse é o romance de Vampiros mais controverso de sua época e terá sua edição de estreia no Brasil pela Editora Cyberus com o título traduzido de forma literal.

Considerado por muitos como o 1° romance gay de vampiros, a premissa da história grita originalidade porque fornece algo muito mais do que o paradigma exaustivamente usado de vampiros sugadores de sangue. Se você quiser ler uma história de vampiro original, inserida em um cenário gótico vitoriano sombrio, então realmente não há desculpa para não ler esta.


A trama gira em torno de Reginald Clarke, uma figura literária bem conceituada com um suprimento inesgotável de criatividade; Ernest Fielding, um jovem escritor atraído pela presença de Clarke; e Ethel Brandenbourg, ex-amante e pintora de Clarke, cujas habilidades artísticas aparentemente diminuíram desde que os dois se separaram.

Não quero dar Spoilers da história, mas acreditem quando digo que esse é um thriller psicológico sutilmente emocionante que explora o que é possivelmente um dos maiores medos do homem; a perda da sanidade. Dito isso, "A Casa do Vampiro" é o tipo de romance que mergulha não apenas no sobrenatural, mas que também flerta com a ficção científica enquanto mergulha o leitor no drama vivido por de seu protagonista, digno de um sobrevivente dos contos insanos de H.P.Lovecraft.

"The House of the Vampire” possui possivelmente um dos vilões mais implacáveis das histórias de vampiros, mesmo num conceito diferente do habitual, o que a torna ainda mais assustadora e faz a história ser incrivelmente arrepiante e com um final deliciosamente inevitável.

O estilo de Viereck é repleto de descrições poéticas, algo firmemente estabelecido no século XIX, com uma escrita que te deixará de joelhos, implacável e focado apenas na história. Ele tem sua própria maneira palatável de ser tão envolvente quanto alguns escritores de suspense modernos, como Dan Brown.

A Casa do Vampiro será traduzido por Fabrício Muniz Corradini, já está em financiamento coletivo pelo Catarse e terá parte do valor destinado para ações sociais, o que torna ainda mais agradável apoiar esse projeto.

Clique aqui para apoiar.

Versão estendida de Drácula ganha 1ª edição no Brasil



Chamada aqui no Brasil de Poderes das Trevas, essa versão estendida do clássico de Bram Stoker, foi originalmente publicada como folhetim na Suécia em 1899. Esse resgate do romance é duas vezes mais longo que o romance publicado em 1897, mas também profundamente mais violento e erótico.

A adaptação sueca do Drácula, Mörkrets makter, permaneceu desconhecida dos estudiosos internacionais até depois que Powers of Darkness de De Roos foi publicado em 7 de fevereiro de 2017, com um prefácio de Dacre Stoker. Não há dúvida de que Bram Stoker esteve envolvido - intencionalmente ou não - em Mörkrets makter. Há uma miríade de cenas e personagens que podem ser encontrados nas notas de trabalho de Stoker sobre Drácula, mas que são traços da versão final. 

Os fãs de Drácula terão uma história muito diferente para mergulhar, com um final totalmente novo. O Conde Draculitz (como é chamado no romance) não pretende apenas espalhar a matança de vampiros pelo mundo; ele conspira com aqueles que estão no poder para criar uma ordem mundial fascista em que os deuses pagãos sejam adorados em rituais de sangue. E no castelo do conde caminha a "dama branca", uma mulher belíssima que busca constantemente atrair para a linha de frente o assistente de advogado Thomas Harker.
A campanha já está aberta no Catarse e é uma iniciativa inédita a Editora Sebo Clepsidra em parceria com Ex Machina.


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