sábado, 17 de agosto de 2019

Mácula da Sanidade - Parte 5

La Prefecture


- Ele confessou o crime diretamente ao prefeito, como encarregados do caso vocês serão os responsáveis por levá-lo ao cárcere. - Comunicou o Comissário.
Desde o inicio das investigações era evidente que a pressão que sofríamos para concluir o caso era efeito da influencia do Dr. Noble sobre o prefeito, portanto foi com muita surpresa e até mesmo espanto que recebemos a informação de que ele havia confessado. Marchan já havia feito seu dever de casa quanto ao Doutor, estava certo de que o Dr. Alexander Noble não tinha envolvimento no desaparecimento de sua esposa, entretanto o comissário estava convicto.
Enquanto Marchan separava alguns documentos do pedido de prisão, eu estava em ligação com o juiz Lebeau, ele nos encontraria na prefeitura para nos dar sua assinatura autorizando o ato.
Ao terminar o comissário me aguardava na porta de sua sala, queria trocar umas rápidas palavras, o que foi na verdade uma conversa ligeira e unilateral. 
"Você é um jovem muito promissor Lamar, entendo as condições que o trouxeram para Marseille e o quanto se sente conectado a Marchan, mas não se deixe ser absorvido por sua impulsividade."
"Como eu disse, você é um jovem muito promissor, quando se sentir preparado quero lhe oferecer uma função definitiva dentro do distrito, você vale mais do que apenas um consultor externo."
Eu tive a reação de responder interrompida, Marchan já aguardava ansiosamente na saida da delegacia. 
Pouco minutos depois estávamos a caminho da prefeitura, o silêncio era constrangedor. 
Se a minha mente já estava divagando em meio as lacunas (afinal oque havíamos deixado passar? Como não haviamos enxergado essa possibilidade?) , então imagino eu como Marchan não deve estar totalmente confuso e angustiado.
A prefeitura ficava em uma rua curta de frente para o Rhône, onde diversas embarcações rotacionavam aquela manhã, em grande parte transportando ferro ou suprimentos para os Aliados. Algumas poucas ainda eram disponibilizadas para rotas turísticas, porém naquela época não havia muita procura nesse sentido.


O edifício tinha 3 andares e a arquitectura dele me lembrava muita a da casa dos Noble, em cada andar as janelas eram trabalhadas em forma geométricas diferentes. Frontão circular no piso térreo, triangular no primeiro andar e quadricular no andar superior. A fachada contava ainda com quatro estatuetas esculpidas em representação a comunas da região.
As semelhanças porém terminavam por ali, o interior do local não tinha uma orgânica tão autoral quanto sua capa. Um soldado nos guiou pela escadaria central, que se abria como duas asas, e qualquer um dos lados davam em direção ao gabinete do prefeito Jean Baptiste. 
A cada passo as pisadas de Marchan pareciam pesar mais e mais, era evidente que um conflito interno o afligia naquele momento. Ambos sabiamos que algo naquela história estava errado, porém minha preocupação com o Inspetor esbarrava na curiosidade em entender como e quando o Dr. Noble havia realizado o crime do qual seria réu confesso.
O soldado nos pediu que aguardássemos um segundo enquanto informava o prefeito da nossa presença, foi quando Marchan perdeu a paciência. Aproveitando da distração do Soldado ele tomou a frente e girou a maçaneta entrando de rompante dentro do gabinete. Ali estavam o Prefeito sentado em um sofá e a sua frente no outro sofá o Dr. Noble estava assinando alguns papeis em uma mesinha de centro. Outro homem estava de pé diante dele e quando nos viu na porta veio em nossa direção, se chamava Marlon Carpentier e se apresentou como o advogado do Dr. Noble.
"Quem vocês pensam que são para sairem entran..."
Marchan não o deixou terminar a frase, ergueu seu distintivo a altura do rosto e continuou sua marcha em direção ao Dr. Noble, eu o segui sem nem pensar duas vezes.
Dentro do gabinete estávamos em 6 pessoas: Marchan, o Dr. Noble, O prefeito Jean Baptiste, o soldado aguardando na porta, o advogado do Doutor e eu. Todos prestavam a atenção no diálogo que se sucedeu entre Marchan e o Doutor. Estranhamente eu passei a sentir um incomodo enorme, como se alguém estivesse me observando, entretanto as janelas e portas estavam fechadas. Discretamente eu observei ao redor da sala e após uma breve observação nada parecia fora do lugar, apenas uma mesa e dois sofás preenchiam o lugar, além de quadros e uma pequena decoração de vasos de plantas próximos a sacada e janelas. Não havia espaço para ninguém estar escondido, então tentei me acalmar e prestar atenção nos fatos que realmente importavam.
"O Sr. nos deve uma explicação Doutor Alexander."
Sem rodeios, ignorando a presença do prefeito, Marchan inquiriu o Dr. Noble.
O prefeito por sua vez o observava de lado, a sua boca parecia querer murmurar algo, porém pareceu se conter e dando um passo para o lado e se posicionando de forma que o Dr. Noble pudesse observá-lo enquanto sua atenção estava tragada pela postura inquisitiva do inspetor Marchan.
O Doutor então observou o Prefeito por alguns segundos, como que esperando dele algum tipo de aprovação pelo que estava prestes a fazer. O silencio parecia a resposta que ele precisava, ele então nos deu um breve esclarecimento de seu lado da história.
Segundo ele, sua esposa o estava traindo com um jardineiro que cuidava dos ornamentos de sua mansão, o tal homem se chamava Mehmet Tuncay , era da Turquia, convenientemente ele já havia retornado ao seu país devido aos eventos posteriores a Campagne de Cilicie, uma semana antes do crime. 
Marchan o interrompeu enquanto o Doutor claramente buscava palavras para preencher seu breve relato. - Essa talvez possa ter sido a sua motivação, mas isso ainda não explica muita coisa sobre o crime.
O prefeito então decidiu se manifestar pela primeira e única vez sobre a 'invasão' a seu gabinete.
- Isso é tudo por enquanto Inspetor, acredito que o comissário tenha lhe dado uma ordem específica e tenho certeza que invadir meu gabinete e utilizá-lo como sala de interrogatório não estava incluso nas suas atribuições. Agora por favor, deixem a minha sala e escoltem o Dr. Noble até a Place de la Major, aonde ele deve aguardar até ser julgado.
A contragosto, o Inspetor Hugo Marchan seguiu as orientações do prefeito. quando saímos do gabinete o incomodo havia passado mas não tive muito tempo ara pensar nisso, o juiz Lebeau já nos aguardava no térreo pronto para assinar o documento autorizando a prisão do Doutor.
Durante o pequeno trajeto o advogado não nos permitiu mais questionar o Dr. Noble, apenas nos apresentou uma pasta que deveria conter a confissão de quatro páginas assinada por ele e afirmou que aquela era a única verdade dos fatos sobre o desaparecimento de Sophie Noble.
Não demorou nem uma hora, mas foi tempo o suficiente para criar ali um clima pesado entre as partes.
Após concluída a prisão nos preparamos para voltar a delegacia, foi quando percebemos que a pasta que o advogado nos entregou estava vazia. Enquanto Marchan aguardava no carro eu voltei para questionar o advogado, ele acreditava que talvez tivesse deixado o documentono gabinete do prefeito.
O homem parecia sincero, ou talvez aquilo fosse parte de sua perspicácia como um bom advogado, de qualquer forma Marchan decidiu encerrar o dia e coube a mim voltar a prefeitura para pegar o documento. 
Apesar do ocorrido anteriormente, fui bem atendido, apesar do prefeito não estar mais no local a sua secretária me acompanhou até o gabinete. Lá fora, enquanto anoitecia, um frio começava a se abater sobre Marsella. A secretária percebeu que uma das janelas estava aberta e um vento forte havia derrubado alguns papeis da mesa do prefeito e espalhado pela sala, começei a justar alguns papeis atento para ver quais deles eram os que eu precisava.
A sensação de mais cedo só retornou quando a lembrança me veio a memória, ainda assim me mantive concentrado e consegui encontrar o que precisava numa última folha que havia caído numa das extremidades da sala. Quando me ergui me vi frente a frente com algo inesperado e que de certa forma clareou a minha mente.
Um quadro, discretamente posicionado na parte mais escura da sala e que, pude analisar, só poderia ser claramente observado por quem estivesse sentado a mesa do prefeito.
O trono dourado, a mascara cromada, as estrelas marinhas flageladas. Definitivamente aquela imagem era o mesmo tipo de reprodução caracterizada na parede dos aposentos de Ardois Bonnot no Asilo Rhône, não podia ser coincidência. A assinatura na base do quadro tinha letras iguais as da pintura na parede, porém apenas duas iniciais.
 "S.N."
Apenas uma associação surgia na minha mente, e se estivesse certo, bem, então as coisas iriam ficar muito mais complicadas do que já estavam.
Confira a história toda na sessão Contos & Mythos

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